Marabá virou um trem desgovernado, diz MP
Cinco promotoras de Justiça que atuam na área Cível convocaram uma entrevista coletiva com a Imprensa de Marabá na manhã desta sexta-feira (7) para fazer um balanço da enxurrada de ações judiciais contra o município de Marabá nos últimos meses, em razão do que consideram “um descaso total” com o serviço público. A entrevista coletiva foi convocada diante das queixas de alguns setores da sociedade de que o Ministério Público Estadual não estaria cumprindo seu papel na garantia dos direitos dos cidadãos. Em nota, a Prefeitura se pronunciou dizendo que tem feito o possível para manter a governabilidade do município, e acusa a crise econômica, a diminuição dos repasses federais e a queda na arrecadação para justificar
A entrevista começou com a apresentação inicial da promotora Alexssandra Mardegan, que reafirmou o empenho do Ministério Público em receber demandas da comunidade e buscar a solução para ela. Disse também que em nenhum momento o MP ficou ausente e garantiu que todas as promotorias cíveis têm atuado firmemente para garantir os direitos básicos do cidadão.
“Nossa preocupação é com a sociedade e não um grupo específico de pessoas. Os cidadãos precisam entender que o MP é integrante do sistema de Justiça e temos o nosso papel, assim como o Judiciário detém o dele. Ingressamos com dezenas de ações na Justiça e aguardamos por resposta de lá. Nem sempre, aquilo que fazemos encontra eco no Poder Judiciário. O magistrado, claro, pautado pelo entendimento jurídico dele, entende de modo diferente. Mesmo assim não sentamos e choramos, mas recorremos como o ordenamento jurídico prevê”, destaca a promotora Alexssandra.
Diante do caos em que se encontra a gestão do município, as promotoras observaram que o Ministério Público tem se empenhado nos últimos meses em garantir o direito à vida, porque há pessoas morrendo nas filas dos hospitais. Estamos adotando as providências de acordo com o que a lei nos permite.
Sobre as queixas do Executivo de que o Ministério Público estaria passando dos seus limites, com certa ingerência no trabalho do prefeito e seus secretários municipais, a promotora Alexssandra discordou. Ela rebateu dizendo que o Ministério Público só atua quando há omissão do poder público, quer na saúde, educação ou em outra área em que os direitos constitucionais estão sendo violados. “O máximo que nossa ação pode chegar é obrigar o prefeito em resolver problemas que dizem respeito à sua responsabilidade. Quando isso não acontece, recorremos à Justiça. Há uma separação de atribuição, e nós nos mantemos dentro dela”, garantiu.
Por sua vez, a promotora Mayanna Queiroz, da 6ª Promotoria de Direitos Constitucionais, apresentou um amplo relatório de ações que teve de ingressar na Justiça por conta da omissão da gestão municipal. “Ouso dizer de o município de Marabá se transformou em um trem desgovernado. A situação está caótica e tudo resvala no Ministério Público, porque as pessoas estão vindo aqui”, destacou.
Para ela, todos os direitos estão sendo violados, mas a saúde e educação são prioridades e as pessoas estão sendo direcionadas dos hospitais e postos de saúde para o Ministério Público, o que ela acha preocupante. “Há uma negligência grave do poder público municipal, mesmo assim não deixamos de trabalhar”.
Mayanna revelou que sua equipe percorreu todos os centros de saúde da zona urbana e rural, além de ir frequentemente aos dois hospitais sob a responsabilidade da Prefeitura (HMM e HMI), e ingressou com mais de 80 ações judiciais. “Judicializamos vários assuntos, inclusive a não aplicação dos recursos conseguidos pelo Ministério Público para construção de centros de saúde e outras demandas. O esforço tem sido grande por parte do MP”, afirmou.
Mayanna Queiroz disse ainda que como o prefeito tem foro privilegiado, as denúncias criminais contra ele foram encaminhadas ao Procurador Geral de Justiça. Em relação aos secretários municipais que estão no cargo ou passaram, demandas judiciais estão na Justiça e eles estão ou vão responder.
Em um relatório entregue aos órgãos de Imprensa, a promotora pontuou, uma a uma, uma série de ações que precisou ingressar na Justiça por falta de responsabilidade da gestão atual. Entre elas, caos nos dois hospitais, com atraso de salários, estoques de medicamentos em déficit. “Constatamos que a população de Marabá está exposta a condições indignas no que tange ao atendimento hospitalar, provocado pela gestão pública desastrosa dos últimos anos, que apesar de recomendados e acionados judicialmente, continuam a negligenciar a observância dos direitos fundamentais dos cidadãos”, disse a promotora Mayanna.
Ela listou cinco obras paralisadas, cujos recursos estavam garantidos pelo Projeto Alpa, da Vale, e outras duas com a mesma fonte que se quer iniciaram, como postos de saúde dos bairros Da Paz e Nossa Senhora Aparecida.
Outro assunto preocupante para a Promotoria dos Direitos Constitucionais é a alta inadimplência do município de Marabá para com os seus fornecedores, que tem ocasionado esvaziamento de licitações e automaticamente o desabastecimento dos hospitais e postos de saúde, a suspensão das cirurgias eletivas por falta de profissionais e insumos, a suspensão de prestação de vários serviços especializados. “Enfim, provocou a descontinuidade dos serviços púbicos essenciais a cargo da SMS e, principalmente, deixando a população sem o atendimento necessário e, muitas vezes, imprescindível ao seu tratamento de saúde”.
Omissão é uma sentença de morte, alega promotora
A promotora Lílian Viana Freire, da 13ª Promotoria, responsável pelos idosos, portadores de necessidades especiais, órfãos, interditos e direitos humanos, disse na coletiva que há cerca de um ano aumentou a procura, em sua promotoria, por parte de pessoas que tiveram seus direitos básicos negados pelo município, em especial portadores de deficiência e idosos. “Eles deveriam ter prioridade no atendimento e socorro nos órgãos públicos e instituições, mas nossa Promotoria virou uma sucursal da Secretaria de Saúde, de tantos atendimentos diários que fazemos. Consultas, internações, transferências – quando é o caso de TFD – estão sendo negadas para esse público”, lamenta Lílian Freire.
Ela revelou que apenas nos últimos 12 meses foram propostas pela 13ª Promotoria de Justiça um total de 111 ações civis públicas para garantia de direitos da saúde para esse público. “É preciso deixar claro que muitas vezes essa negativa ou omissão por parte do município representa uma sentença de morte para essas pessoas, porque até garantirmos o direito pela via judicial, a pessoa morre à míngua. Não é raro recebermos processo e apenas juntarmos a certidão de óbito da pessoa em poucos dias”, critica a promotora dos idosos.
Para ela, a pessoa com deficiência é alijada em todos os aspectos na cidade de Marabá. Mas no momento, o foco principal é a sobrevivência desse público, fazendo com que as pessoas que têm garantidas por lei o acesso a medicamentos de uso contínuo e seus acessórios. Nos manifestamos no processo pedindo bloqueio das contas, mas a situação segue”.
Cinco obras paradas, cinco ações na justiça
A promotora Mayanna Queiroz apresentou à Imprensa cinco obras paralisadas pela Prefeitura de Marabá que causam sérios problemas à saúde da comunidade e que foram objeto de ação do Ministério Público. Uma delas é vizinha da Redação do jornal, na Folha 33. Trata-se do CRISMU (Centro de Referência em Saúde da Mulher), onde vários aparelhos de diagnóstico foram enviados pelo TOPAMA, estão sem uso, correndo o risco de sofrer deterioração. Dentre eles está um mamógrafo, pois sem a adequação estrutural não é possível instalar os aparelhos e ofertar os serviços, causando sérios prejuízos à saúde da população atendida, principalmente na prevenção do câncer.
Outra obra é do CAPS (Centro de Atendimento à Saúde Mental). Apesar de os dois prédios estarem praticamente prontos para o funcionamento do CAPS II-AD, localizados na Folha 31, não houve conclusão e entrega dos equipamentos públicos tão necessários para o acompanhamento de pessoas com transtorno mental. “Estão ociosos e passíveis de deterioração enquanto a população que faz uso do serviço é atendida em local precário e inapropriado”, disse a promotora Mayanna, salientando que os equipamentos para a prestação regular do serviço do CAPS no município já foram adquiridos há tempos e encontram-se guardados na SMS sem uso e com possibilidade de se danificarem, fato que poderá ensejar danos ao erário.
Da mesma forma que o CAPS, as obras conclusivas do Centro de Especialidades Médicas, encontram-se paralisadas, estando o prédio fechado e em estado de deterioração diante do tempo sem uso, mesmo havendo equipamentos já adquiridos para o funcionamento.
Além destes, a promotora também listou o Centro de Saúde do Bairro Laranjeiras. Apesar da destinação de recursos em decorrência das condicionantes da ALPA, a gestão municipal paralisa constantemente as obras, “demonstrando incompetência administrativa relevante, já que a seu cargo incumbia somente a construção, o que não conseguiram implementar, deixando a população daquele bairro tão carente sem os serviços necessários que deveriam há muito tempo estarem disponíveis”. Seria neste posto o funcionamento do maior laboratório do município.
Por fim, a novela da UPA (Unidade de Pronto Atendimento), que não foi concluída. Trata-se de prédio grande, no qual já foram alocados recursos públicos em alto valor, e que não é inaugurado e destinado conforme a lei.
Em nota, Prefeitura responde às acusações da promotoria
A Assessoria de Comunicação da Prefeitura de Marabá rebateu, em nota emitida na noite desta sexta-feira (1), cada uma das acusações feitas pelas promotoras do Ministério Público do Estado durante coletiva à imprensa na manhã do mesmo dia, conforme matéria veiculada na página 8 do Caderno A, nesta edição do CORREIO. Segue, na íntegra, o teor do comunicado:
“O Governo Municipal, na pessoa do Prefeito João Salame Neto, vem a público esclarecer sobre várias declarações do Ministério Público Estadual (MPE), representado pelas promotoras Mayanna Souza Silva Queiroz, Alexssandra Muniz Mardegan, Josélia Leontina de Barros Lopes, Lílian Viana Freire e Aline Tavares Moreira, durante coletiva na manhã desta sexta-feira (7).
Do ponto de vista de caos e de desgoverno, como afirmaram as promotoras, em caos está o Rio de Janeiro, o segundo estado mais rico do país, e milhares de cidades brasileiras, que não estão dando conta de pagar salários, estão fechando hospitais, postos de saúde e escolas, diante da crise que se abate por todo o país e que é de conhecimento do Ministério Público. São 20 estados e o Distrito Federal que estão quase pedindo falência.
Já aqui, com toda dificuldade, mesmo com profunda crise financeira, os salários vêm sendo pagos. No último mês o maior período de atraso no pagamento dos concursados foi de 16 dias. Ou seja, não há meses de atraso e sim dias.
Os dois hospitais públicos municipais estão funcionando e atendendo não só a população de Marabá, mas pessoas de 21 municípios da região, diariamente, transformados assim, o HMM num pronto-socorro regional; e o HMI em maternidade regional.
Evidentemente, em razão da queda brutal de arrecadação, que só em 2015 caiu R$ 35 milhões em relação a 2014, os serviços públicos ficam precarizados. A prefeitura é forçada a diminuir o número de caminhões coletando lixo nas ruas, e a diminuir o ritmo das obras.
Todo empresário, todo governo, quando a receita não é suficiente, atrasa o pagamento da previdência para parcelar depois. Em Marabá, o prefeito usou desse recurso para manter a Folha de Pagamento em dia e foi afastado. Foi o único prefeito do país afastado por esse motivo.
Esse afastamento agravou a crise, pois, quando ocorreu, em 5 de maio passado, os concursados estavam todos pagos e faltavam apenas R$ 9 milhões para concluir a Folha de Pagamento de abril. Quando o gestor retornou, em 8 de agosto, a folha era de R$ 32.800.000,00, ninguém havia sido pago e só havia R$ 2.600.000,00 nas contas do município.
Ou seja, um déficit de R$ 30 milhões, mais R$ 3,5 milhões que foram subtraídos dos salários dos professores do mês de junho, resultando num déficit de R$ 33,5 milhões, um valor maior que uma Folha de Pagamento, hoje em torno de R$ 26 milhões, o que desequilibrou as finanças e vem causando transtornos até o momento.
Por esse motivo, a prefeitura se viu forçada a paralisar várias obras para priorizar o pagamento dos servidores e o abastecimento dos hospitais.
Quando João Salame reassumiu o governo, os médicos do HMM estavam com três meses de salários atrasados, de lá para cá o prefeito já pagou mais de R$ 1,5 milhão para a Humanitar.
Quanto às obras paralisadas, a da UPA está em ritmo acelerado em fase final, os Caps serão entregues nos próximos dias, a da UBS Laranjeiras prossegue em ritmo acelerado e o Crismu será retomado e concluído. O afastamento do prefeito também atrapalhou a conclusão dessas obras.
É de conhecimento público ainda que várias obras estavam em andamento na cidade, mas, quando Salame foi afastado, o prefeito interino paralisou todas ao tomar posse.
Ao retornar, Salame recebeu o HMM de volta sem medicamentos, sem água mineral e sem os insumos mais básicos ao atendimento da população. Já nesses dois meses, vários caminhões de medicamentos foram adquiridos pela administração municipal, a fim de atender aos deficientes físicos e para os dois hospitais. E alimentação, que também estava zerada, teve os ingredientes adquiridos de imediato.
Vale lembrar que na Saúde e na Educação, bem como nos demais setores da Administração Municipal, foram várias as conquistas, todas já amplamente divulgadas nas mídias sociais da PMM e nos meios de Comunicação locais, totalizando mais de 400 obras em favor da população, as quais não podem ser relegadas simplesmente ao esquecimento e que vêm sim beneficiando grande parcela da população antes desassistida pelo Poder Público. Tudo sem um único centavo do Governo do Estado, o qual também deveria ser questionado pelo MP devido ao abandono que vem impondo ao povo marabaense.” (Ascom/PMM)
Reportagem: Ulisses Pompeu – ctonline