Nova cepa descoberta em BH reforça alerta sobre o coronavírus

Pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e do laboratório Hermes Pardini identificaram ontem nova variante do coronavírus em Belo Horizonte. Ainda não é possível saber se a nova cepa, que apresenta até 18 mutações, é significativa ou não para aumentar o ritmo de transmissão do vírus. Também não está claro se ela tem ou não maior resistência do ponto de vista da resposta imunológica, inclusive quanto aos efeitos das vacinas que estão sendo usadas no país.

O surgimento da nova variante requer duas medidas emergenciais, segundo especialistas ouvidos pelo Estado de Minas. De um lado, seria necessária uma coordenação nacional, a partir do governo federal, que implemente o fechamento total das atividades econômicas (o lockdown) em todos os estados para frear a circulação do vírus. De outro, demandaria a ampliação dos trabalhos de sequenciamento de genoma do Sars-CoV-2 em Minas Gerais, principalmente na Grande BH, para monitorar a nova cepa. Hoje, esse estudo é realizado praticamente só na UFMG.

A grande preocupação é o surgimento de uma variante que pode evadir da resposta imune da vacina, por exemplo. A gente acredita que ela já está circulando em Minas Gerais. De início, parece que o apelido dela será P4. Mas, a gente não sabe ainda qual o impacto”, afirma o infectologista Unaí Tupinambás, da UFMG e integrante do Comitê de Enfrentamento à COVID-19 da prefeitura de BH.

Diante desses pontos de interrogação, Unaí Tupinambás defende o fechamento total das atividades econômicas como medida para reduzir os riscos de contaminação e garantir a eficácia das vacinas. Nesta semana, a prefeitura chegou a estudar uma reabertura, mas desistiu. “Daí a importância do lockdown. Se eu não tiver vírus circulando, eu não vou dar chance para novas mutações. A população e o governo federal têm que enxergar que essa é a única saída, mesmo com o avanço da vacina”, afirma o infectologista.

A nova mutação atesta, mais uma vez, o Brasil como celeiro de novas variantes do coronavírus. Ao menos outras três cepas significativas já circulam no país: a P1, descrita em Manaus; a P2, do Rio de Janeiro; e a B.1.1.28, também identificada no Amazonas. A UFMG acredita que as duas mapeadas em BH são fruto dessa última, que circulou na primeira fase da pandemia na capital mineira.

Estudos genéticos demonstram que os novos genomas da cepa apresentam mutações em diversas de suas regiões, incluindo novas alterações nas posições E484 e N501. Foram nessas mesmas coordenadas do vírus que as outras cepas de maior risco apresentaram mudanças, o que amplia o sinal de alerta. “Não existem evidências de ligação epidemiológica entre ambas, como parentesco ou proximidade geográfica entre os infectados, o que reforça a plausibilidade de circulação dessa nova possível variante”, afirma o professor Renato Santana, do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG.

O biólogo e divulgador científico Atila Iamarino destaca que sem um plano de ação federal, vírus mais transmissíveis e com maior poder de reinfecção estão sendo selecionados. “Enquanto o plano de ação federal for promover o contágio, o que coloca vulneráveis, curados e vacinados em contato com o coronavírus, teremos variantes sendo geradas. Evolução é implacável e estamos selecionando vírus mais transmissíveis e que reinfectam”, disse em postagem no Twitter.

Outra especialista que se manifestou a respeito da nova variante foi a biomédica e neurocientista Mellanie Fontes Dutra. Ela alerta para o fato de as variantes estarem se adaptando e diz que é preciso controlar a transmissão.

Amostras A nova variante foi detectada a partir de 85 amostras do coronavírus colhidas entre 28 de outubro do ano passado e 15 de março último, portanto incluindo o período em que a capital verificou aumento dos índices de transmissibilidade do micro-organismo na cidade. O auge do contágio em BH ocorreu entre os dias 11 e 19 de março, de acordo com os boletins da prefeitura, quando o número de transmissão por infectado variou entre 1,22 e 1,28.

O estudo é feito pelo Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais e o Setor de Pesquisa e Desenvolvimento do Grupo Pardini, em colaboração com o Laboratório de Virologia Molecular da Universidade Federal do Rio de Janeiro e a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH).

Os resultados do trabalho demonstram, ainda, aumento progressivo das variantes que preocupam na Grande BH. Nos genomas sequenciados, foram encontradas as linhagens P.1 (30 amostras ou 35,29%, de Manaus), P.2 (41/48,23%, do Rio de Janeiro), B.1.1.28 (oito/9,41%, do Amazonas), B.1.1.7 (três/3,53%, do Reino Unido), e uma de cada uma das seguintes cepas: B.1.1.143, B.1.235 e B.1.1.94. *Estagiária sob supervisão da subeditora Marta Vieira

Por dentro das mutações

Em reportagem especial sobre o período completo de um ano após o primeiro caso de COVID-19 no Brasil, a epidemiologista Ethel Maciel explicou à  reportagem como as mutações do coronavírus ocorrem. “O vírus sobrevive fazendo cópias dele mesmo. Quando isso ocorre, ele pode ‘errar’ e fazer mutações, que são naturais desse tipo de vírus. O problema é o vírus fazer mudanças que dê a ele vantagens sobre nós”, disse a especialista. Ethel também ressaltou na entrevista que inúmeras cepas do coronavírus estão espalhadas pelo mundo. Porém, a maioria delas não traz nenhuma mudança significativa ao combate à pandemia. Ou seja, apesar de diferentes, elas não aumentam a transmissão nem são mais difíceis de ser combatidas do ponto de vista imunológico.

Estado de Minas

 

Deo Martins