No Pará, garimpo ilegal destrói 600 km de rios em terras indígenas em 5 anos

O ritmo da destruição causada pelo garimpo ilegal explodiu no Brasil. Apenas nas terras indígenas Munduruku e Sai Cinza, no sudoeste do Pará, os criminosos destruíram pelo menos 606 quilômetros de rios desde 2017.

Os dados fazem parte de um levantamento inédito do Greenpeace revelado com exclusividade pelo Observatório da Mineração em parceria com o UOL.

Na região, até 2016, o Greenpeace classificou como destruído 26,6 quilômetros de rios. Nos cinco anos seguintes, foram mais de 600 quilômetros, alta de 2.179%.

A extensão do dano, confirmado com sobrevoos realizados em outubro de 2021 e por imagens via satélite, é equivalente ao que a Vale causou no Rio Doce em virtude do rompimento da barragem de Mariana, em novembro de 2015. Foram cerca de 660 km de rios contaminados de Minas Gerais até o mar do Espírito Santo.

Imagem: Chico Batata/Greenpeace Brasil

Os corpos d’água mais prejudicados pela atividade garimpeira analisados pelo Greenpeace são os rios Marupá, das Tropas, Cabitutu e os igarapés Mutum e Joari. O sobrevoo também identificou pelo menos 12 pistas de pouso usadas por garimpeiros.

Contaminação por mercúrio

Os munduruku registram uma população de 14 mil pessoas espalhadas em 145 aldeias. Pesquisas realizadas pela Fiocruz revelaram uma contaminação de 100% do mercúrio usado no garimpo de ouro entre a população indígena.

Crianças, adultos, idosos, homens e mulheres da etnia munduruku, todos foram afetados. Seis em cada dez participantes apresentaram níveis de mercúrio acima do limite considerado seguro pela OMS (Organização Mundial de Saúde).

A intoxicação por mercúrio pode provocar problemas respiratórios, renais, má formação congênita em bebês e atacar principalmente o sistema nervoso, causando doenças graves. 16% das crianças do estudo apresentaram problemas nos testes de neurodesenvolvimento. Um bebê de 11 meses apresentou níveis de mercúrio três vezes acima do tolerável.

A saúde das crianças preocupa as mulheres munduruku, relata Aldira Akay, uma das lideranças do seu povo. “A gente sofre vendo as crianças. Uma criança que morreu recentemente foi provado que o mercúrio que a matou“, relata.

Segundo Aldira Akay, sem a pesquisa da Fiocruz, “até hoje estávamos doentes sem saber o que era.” A liderança reclama do abandono do poder público. “Não temos apoio das autoridades, do governo, do presidente“, critica.

Ataques aumentaram em 2021

A região de Itaituba e Jacareacanga, no Médio Tapajós, é o epicentro do ouro ilegal no Brasil. E os indígenas enfrentam ataques constantes de garimpeiros. Em 2021, a situação piorou.

Em abril, o Ministério Público Federal do Pará pediu intervenção federal após uma série de atos violentos, incluindo o incêndio criminoso da casa de uma liderança indígena e a destruição da sede de uma associação de mulheres munduruku, que lutam há anos contra os invasores.

Em maio e em junho, a justiça federal precisou exigir que o governo federal ordenasse o retorno de forças de segurança para a região para tentar proteger os indígenas. Em julho, o MPF pediu a suspensão de todas as permissões para extração, comércio e exportação de ouro nos municípios de Itaituba, Jacareacanga e Novo Progresso.

Imagem: Chico Batata/Greenpeace Brasil

Organizações criminosas controlam o garimpo ilegal que atinge terras indígenas e unidades de conservação no sudoeste do Pará. Investigações já chegaram, por exemplo, até a um empresário acusado de comercializar 1.370 quilos de ouro ilegal somente entre 2019 e 2020. Dirceu Frederico Sobrinho, da FD Gold, é próximo de Jair Bolsonaro e figura frequente em Brasília.

Desde os anos 80 que os munduruku denunciam a invasão das suas terras. Quadro que se agravou durante o mandato do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Entre 2018 e 2019, a quantidade de quilômetros de rios destruídos no território munduruku aumentou 101%, destaca o Greenpeace.

O garimpo prejudica todo o leito do rio, causando impacto para todo o ecossistema que o circunda. Os munduruku têm sido seriamente afetados“, afirma Carolina Marçal, do Greenpeace.

A situação dos munduruku confirma o incremento substancial da área minerada pelo garimpo no Brasil, que aumentou 495% dentro de terras indígenas apenas nos últimos 10 anos, de acordo com dados da plataforma MapBiomas. Nas unidades de conservação, o incremento foi de 301% no mesmo período.

Desmatamento e prejuízo socioambiental

Dos 11 mil hectares abertos na Amazônia para mineração entre janeiro e setembro de 2021, 73% incidiram dentro de áreas protegidas, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

A cidade de Itaituba, sozinha, exportou 186 quilos de ouro em 2019. Esse número saltou para 1.782 quilos em 2020. Em 2021, entre janeiro e setembro, já foram exportados 1.747 quilos. Boa parte ilegal. O destino são os grandes mercados do mundo. Em 2019, o Canadá, o Reino Unido e a Suíça registraram 71% de todas as importações de ouro do Brasil.

Estudo da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) mostrou que mais de um quarto da produção de ouro no Brasil é irregular e 90% da produção aurífera ilegal do Brasil provém de lavras garimpeiras na Amazônia.

O ouro ilegal explorado entre 2019 e 2020 no Brasil causou um prejuízo socioambiental de cerca de R$ 31,4 bilhões.

Procurada, a Funai (Fundação Nacional do Índio) não respondeu. O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) disse que tem atuado com o GEF (Grupo Especial de Fiscalização) para combater o garimpo ilegal nas duas terras indígenas, que realizou duas operações em junho deste ano em conjunto com a Polícia Federal e que uma terceira está em curso. “As ações fazem parte do planejamento deste ano, e o Ibama segue atuando para coibir essas e outras práticas que causam danos ao meio ambiente“, afirma o órgão.

UOL -Maurício Angelo – do Observatório da Mineração

Deo Martins